terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A farmacêutica

Há uns meses, uma menina começou a trabalhar na farmácia ali no cimo da rua. Pequenina, morena, de sorriso bonito e olhar doce, cedo me chamou a atenção. Conduzia um Polo, daqueles cheios de peluches. Típico das meninas doces que se soltam quando levadas para a mata. Durante o Verão, usava uns crocs rosinha e a bata revelava um pouco o peito. Comecei logo a frequentar mais a farmácia. Comprar pastas e escovas para os dentes passou a ser tão frequente como ir ao pão e ao leite.
Às tantas, já nem isso chegava. Certa manhã, pus a minha melhor camisa, o meu melhor relógio e enchi-me de perfume. E parti determinado rumo à farmácia... para ela me medir a tensão. Pus o meu ar mais cansado possível, de forma a ter a atenção dela. Nisto, o meu corpo traiu-me. A puta da tensão arterial estava óptima. Fiquei atrapalhado e logo comecei a dizer que andava a dormir pouco, que tinha um trabalho exigente e tudo isso. As respostas dela não passaram do "Pois...", mas depois fez-me uma pergunta que jamais esquecerei. "Tem tido hemorragias?". A imagem do sangue cortou o momento.
Andei uns tempos sem a ver. Até julguei que tinha ido para outro sítio. Voltei a vê-la há umas semanas, de carro diferente, mas ainda um Polo. No fundo, também não a estou a ver conduzir outro carro que não seja aquele.
Hoje, quis o destino que nos encontrassemos na FNAC, na livraria de autores portugueses e traduzidos. Eu vi-a primeiro, mas também não demorou muito para ela reparar em mim. Ao princípio, ficámos ali feitos estúpidos a ver os livros, como se fossemos muito inteligentes. Eu bem reparei que ela se ia aproximando de mim gradualmente. Estava bem gira sem a bata. Uma camisola de malha justa, cachecol enrolado ao pescoço, aqueles cabelos castanhos soltos e uns jeans justos a revelar uma bela pandeireta, embora a necessitar de algumas aulas de RPM. A julgar pelo comportamento, diria que não tem namorado. Sejamos sinceros: eu ficava-lhe bem e ela a mim.
Enquanto a observava, peguei num livro do Pepetela qualquer, armado em intelectual. Naquele momento, senti-me como se estivesse na paragem de autocarro à espera da Sandra. Tremia por todo o lado, inseguro, sem saber o que fazer. Nisto, enchi-me de coragem e cumprimentei-a. Ela respondeu. Nisto, ficámos ali sem saber o que fazer. Notei o mesmo da parte dela. Lá voltei a insistir. "Então, o que procuras?". Resposta sábia: "Um livro". A sério?!! Vi logo a coisa mal parada. Nisto, joguei mais uma cartada e voltei a fazer merda como no dia da tensão arterial. "Este livro é muito bom. Dá-te uma visão diferente do que são as relações. Mas é giro", disse eu, todo vaidoso. O livro era "O Amor é fodido", do Miguel Esteves Cardoso. Foi uma jogada de mestre. Que raio terá ela pensado? Ainda pegou no livro e nisto soltei outra pérola. "Tens sempre a Margarida Rebelo Pinto", afirmei eu à espera de um sorriso. "Pois", disse ela, sem sorrir. Ali percebi que tinha deitado tudo a perder. Depois, começou a fase dos telemóveis. Acontece sempre que estamos no meio de uma situação e não sabemos o que fazer. Pegamos no telemóvel e fingimos estar a ver as mensagens. Eu peguei primeiro e enviei uma mensagem de socorro. Ela pediu depois e foi um espanto ver um koala de peluche ou lá que merda era aquela pendurada no aparelho. Minha nossa, ou a gaja é mesmo difícil ou é mais enconada do que eu. Numa jogada de desespero, meti os meus dois portáteis no chão (sim, tinha comigo dois portáteis!) e pus-me a ver um livro qualquer, enquanto exibia o meu Tissot novo. Ela não reparou. Que raio de gaja não repara num relógio Tissot? Sinceramente, não as percebo.
E pronto, lá foi cada um para seu sítio sem despedidas. Definitivamente, eu não sei lidar com mulheres. É melhor estar quieto de uma vez e parar de fazer figuras tristes. Assim foi. E assim terminou a minha linda história de amor com a farmacêutica, e que nem chegou a começar.

5 comentários:

Anônimo disse...

O teu mal é achares que as mulheres reparam em Tissots novos e em gajos muito perfumados e esticadinhos. Ou melhor, queres mesmo uma muher que te queira pelo teu relógio?
Tu bem podes preparar e preparar-te para todos os momentos, mas o mais provável é que a paixão se acenda quando estiveres despenteado a mudar um pneu.
Relaxa.
Com a idade (e as desilusões) vais perceber que o que não tem remédio, remediado está. E vais deixar de citar a Margarida Rebelo Pinto (minha nossa, do que te foste lembrar).
E mais: uma gaja que não percebe ironias não vale a pena, pois não?

Anônimo disse...

É. As mulheres deviam vir com livro de instruções... Mas se assim fosse os homens iam passar a ouvir: "não tens mesmo imaginação nenhuma. Não fazes nada que não esteja na merda desse livro de instruções?" E a vida ia ser muito mais complicada para vocês. O que fazer mais para além daquilo que está descrito como o perfeito?! O homem que o consegue, aquele que surpreende, que arrisca, que esquece as "regras", os medos, esse não precisa mesmo de livro de instruções...

Anônimo disse...

Esqueçam os estereótipos sobre as mulheres. Não sei o que é o comportamento perfeito de um homem. As mulheres também agradecem que não esperem delas o que esperam das vossas mães, mas com sexo.

Anônimo disse...

Eu não reparo em relógios.

Anônimo disse...

Há muitas mulheres que reparam SÓ no relógio... E essas já as entendes?