segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Casamento

É sempre estranho ver uma amiga nossa noiva. Mas aconteceu este fim de semana. Confesso que não estava à espera de ser convidado para a cerimónia, ainda para mais tendo em conta a intimidade pretendida. Mas fui e não podia faltar ao casamento de uma grande amiga minha.
Quando a vi entrar na cerimónia, toda de branco e com um sorriso brilhante, quase chorei. De alegria. Senti uma alegria enorme, algo inexplicável. Nem no casamento do meu irmão senti tal coisa. Talvez por que nesse dia apenas tinha 15 anos e mal sabia o que era a vida. Não que saiba agora.
Ver a Rita e o Fernando casarem é perceber que o verdadeiro amor existe. Olhamos para eles e percebemos que foram feitos um para o outro, que tinha de acontecer. Como se fosse a coisa mais natural do mundo. Talvez seja. Foi um daqueles momentos em que divagamos. Pensamos em tudo: no passado, no presente e no futuro. Naquele instante, até pensei no dia do meu próprio casamento, seja lá quando for.
Mas, quando se está solteiro, é nesses momentos que mais nos sentimos sós. Ao vê-los juntos, por mais felizes que também estejamos, não deixamos de sentir alguma inveja. Eu, pelo menos, senti.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O meu pai.

Um dia, durante uma sessão, a minha psicóloga disse-me que eu sofria de mais por algumas coisas, para não ter de sofrer por outras, bem mais dolorosas. Uma espécie de estratégia de protecção masoquista. Nunca percebi muito bem o que ela quis dizer nesse dia. Hoje, acho que finalmente cheguei. Afinal, como ela própria me dizia, "o que é um desgosto amoroso comparado com a dor de perder um pai?". Eu fugia sempre desse assunto. Nunca foi algo de que gostasse de falar muito. Esta madrugada fez três anos que o meu pai faleceu. Quis o destino, naquela noite de Novembro, que o último suspiro dele em vida fosse a meu lado. Era o meu turno.
Assim que soube da doença, procurei de imediato ajuda psicológica. Eu sabia que, por mais força e vontade que tivesse, o meu pai nunca iria vencer aquela batalha. Fiquei apavorado e não queria que ele percebesse isso. Escondi-lhe as consultas ou mesmo os fármacos que tomava. Afinal, nada do que sentia era comparável ao que ele sentia. Às vezes, questionava-me. "O que sente uma pessoa quando lhe dizem ter menos de um ano de vida?". Preferia nem pensar na resposta. Com as consultas, tentei compreender o que se estava a passar, procurei ajuda, um encosto, um ombro e, sobretudo, preparar-me para o futuro. No fundo, a morte dos nossos pais até é a evolução natural das coisas. Nós é que os devemos enterrar e não o contrário. Mas é pura ilusão. Naquela noite, sozinho na sala com ele, vi a pouca vida que lhe restava abandoná-lo. Sabia que o fim estava para breve e, no meio de toda a agonia, só pedia fim do sofrimento. Porém, em breves segundos, percebi que não estava preparado para perder o meu pai. Nunca ninguém está.
Os primeiros dias após a morte são esquisitos. Sentimos o nosso corpo sonolento, sem reacção. Não sabemos bem o que sentir ou pensar. Lembro-me da cara assustada dos meus colegas e professores quando me viram nas aulas no dia seguinte ao enterro. O pior é depois. Os dias continuam, chega a uma semana. Até que vamos pela primeira vez ao cemitério após o funeral. Vemos a lápide e aquelas palavras que todos lêem, mas que ninguém quer perceber: "Eterna saudade". Nesse momento, é como fossemos atingidos por um raio. Comigo foi assim. Naquele instante, percebi que nunca mais na vida iria ver o meu pai.
O meu pai foi um homem fantástico. É normal dizermos todos isto, mas é a mais pura das verdades. Nunca foi daqueles pais que nos leva a passear, a jogar à bola, ao cinema ou nos procura quando se vê nos nossos olhos que estamos apaixonados. Eu estava, ele sabia que eu estava, sabia por quem - toda a gente sabia por quem -, mas ele nunca me questionava. Era um pai de sofá, mas fazia tudo pelos filhos. Tudo. Lembro-me quando fracturei a perna. Enquanto a minha mãe chorava compulsivamente (e eu tinha apenas uma perna fracturada), o meu pai transmitiu-me uma calma enorme. Ia comigo à fisioterapia, buscar-me à escola. Esteve sempre lá. Quando entrei na faculdade, completamente lixado por ir estudar para Setúbal, ele foi comigo fazer a matrícula. Esteve sempre lá. Até a minha profissão foi por sua influência. Se o meu pai não gostasse de futebol e de ler jornais desportivos todos os dias, eu seria o que sou hoje? Duvido. Aliás, essa é uma das minhas maiores mágoas. Saber que o meu pai nunca irá ver o filho a escrever sobre o Sporting.
Hoje, três anos depois da sua morte, mais não posso fazer do que pôr uma rosa junto à lápide, chorar em silêncio e olhar para o Céu. Como sempre o faço. Arrependo-me de não ter falado para todos durante o velório. É algo que nunca farei. Mas devia ter feito. E, naquele instante, teria dito o que digo hoje: o meu pai foi um homem fantástico.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

24 anos.

Hoje, uma pessoa da minha família fez a bonita idade de 35 anos. Caraças, que inveja.
Tenho apenas 24 anos e não vejo a hora de ter 30. As pessoas a quem digo isto chamam-me louco. Tenho a ideia de que os homens melhoram com a idade. Pelo menos, é o que dizem. À medida que envelhecem, ficam mais charmosos, sedutores, diferentes. No auge. Eu, pelo contrário, já me sinto um velho e ainda nem cheguei ao quarto de século.

Enquanto os 30 não chegam, conto os dias até fazer 25, na esperança que tudo esteja diferente nessa altura. Talvez me engane, mas não suporto mais as duas dúzias. Hoje, mais uma vez, cheguei a casa exausto. Um ano de trabalho, de sacrifício, com poucas recompensas.
É como diz o Saramago na obra "O ano da morte de Ricardo Reis". Às vezes, vive-se mais num fulgurante minuto ou segundo do que em muitos meses. E, durante os 24 anos, tenho vivido muito pouco. Isto já começa a ser penoso.

Talvez seja a entrada na vida adulta. No outro dia, uma grande amiga minha, que me pegou o vicio da Anatomia de Grey, dizia-me que a entrada na vida adulta é bem pior do que qualquer adolescência. Hoje, não podia estar mais de acordo. Organizar vida, começar a trabalhar, as eternas questões da nossa vocação, os primeiros problemas laborais e, sobretudo, tentar não desiludir ninguém. Acima de tudo, quem nos deu a oportunidade. Então, trabalhamos muito, na esperança de não desleixar. E quando se juntam desilusões amorosas (e das fortes) e enormes crises de confiança, ainda pior. Aconteceu tudo ao mesmo tempo. Aos 24 anos. É fodido quando percebemos que o Mundo não é como queremos ou como o pintamos. Maldito.

Sentimo-nos em queda livre, a desfalecer. O que fazemos, então? Lutamos, lutamos e ficamos preparados para ainda mais desilusões? Não o fiz. Acho que aceitei a queda livre, pelo menos, deixei de lutar contra ela. Neste momento, é forte de mais.
Aceitamos que o sofrimento faz parte da vida, torna-nos mais fortes, mais sábios, e essas tretas todas. Mas temos mesmo de passar por ele. Depois há de passar. Só assim se cresce. Espero eu. Enquanto isso, lá continuarei a trabalhar e a esperar pelos 25 anos, enquanto não chegam os 30.

domingo, 18 de novembro de 2007

Seat Ibizas e comboios

É oficial. Estou a perder o juízo.

Hoje à noite, bem à noite, à porta do jornal, pareceu-me ver-te dentro de um Seat Ibiza preto, o Seat Ibiza preto do teu novo namorado. Sim, por que já arranjaste outro.

Estavas a sorrir e pareceste-me mesmo tu. É por isso que estou a perder o juízo. Porque te vejo em todo o sítio, a toda a hora. Ando obcecado com o carro, pelo que sei até já o conduzes. Presumo que a coisa seja séria.

Vejo Seat Ibizas pretos em todo o lado e em todos espreito lá para dentro, com medo de te ver lá. Mas hoje, à porta do jornal, pareceste-me mesmo tu. E estavas a sorrir. Isso é que é pior.



Tens outro. Arranjaste outro. E vou-te ser sincero: deixa-me fodido, triste e, por vezes, arrasado. Hoje, por exemplo. Sou passado para ti, não existo mais, nem nunca mais vou existir. Olha, ouvi-te agora nas escadas, bateste com a porta, chegaste a casa. Tendo em conta que o teu carro estava estacionado no mesmo sítio de ontem, só podes ter vindo no dele. O Seat Ibiza preto.

Sempre pensei que me ias procurar, desde o dia em que terminaste comigo, há ano e meio. Ias dizer o quanto sentiste e sentes a minha falta, que não arranjaste mais ninguém como eu e que sentes saudade de mim, dos meus abraços, das minhas parvoíces, de tudo. Nunca o fizeste. Começo a aceitar que nunca o vais fazer. Nada mais natural em ti, pois nunca o fizeste com todos os outros ex-namorados. Não sou mais do que eles. É assim que me sinto, apenas mais um. Quando não quiseste mais nada, despachaste-me e nunca mais me disseste nada, até me ignoraste na rua.

Apesar disso tudo, de toda a mágoa que causaste, assumo-o: tenho saudades tuas. Das nossas coisas, das conversas, de tudo. Hoje, já não fazem grande sentido, mas continuo a sentir falta. Não fazes ideia de como me deixaste, quando terminaste comigo. Arrasaste-me. Perdi a confiança em mim, duvidei do meu trabalho, deixei de me sentir bonito, desejável. Deixei de me arranjar e passei a não confiar nas mulheres. Mas, ainda assim, depois de todo esse mal, ainda sinto a tua falta.

Não sei se te amo ou se te odeio. Talvez as coisas não se possam separar. Eu, pelo menos, não o consigo. Peço-te desculpa, mas a tua felicidade arrasa-me. Estás feliz e eu não. Porque - e vamos lá assumir isto - ainda te amo.

Sempre disse que eras um comboio. Um TGV, sempre rápido, pelo menos a descer as escadas. Ainda o és. A tua vida é um comboio, dos rápidos, daqueles que levanta pó por onde passa. Os passageiros passam, entram, saem, mas tu segues sempre. Até ao dia em que vais descarrilar.
Eu, pelo contrário, sou um daqueles vagões a carvão, saído da Revolução Industrial. Lento, muito lento, parado. Não saio dos carris, mas também não ando. Estou parado, estagnado e sem pessoas à minha espera nas estações e apiadeiros. Por isso, este blog só podia ter este nome. O comboio que não anda. Bem vindos à minha vida.